terça-feira, 18 de novembro de 2014

O garoto pixelizado

Lucas tinha 14 anos e gostava muito de jogar videogame. Um dia ele acordou e achou que tinha algo estranho acontecendo com a sua pele. Havia um brilho estranho, um formato quadriculado cobrindo todo seu corpo. Ele olhou no espelho e percebeu que ele estava pixelizado.  Seu cabelo havia perdido o movimento, parecia um grande bloco colorido de louro. Seus olhos estavam maiores, com uma expressão irreal. Ele parecia a versão dele mesmo que ele havia construído em seu jogo favorito, seu avatar.

Ele tentou ir tomar o café, mas ele não conseguia fazer outro movimento senão o de ir ao computador. Seu corpo era levado automaticamente até seu laptop, como se flutuasse. Ele percebeu então que, para realizar qualquer ação na vida real, ele precisava autorizar o seu avatar a fazê-la também. Ele estava sendo controlado por ele mesmo através de seu computador. Lucas já não era mais um garoto livre, mas uma espécie de robô guiado pelo seu console. 

domingo, 31 de agosto de 2014

Maria x Ana

Um dia fui ao médico e ele disse: "Mariana, você é Maria ou Ana? Você tem que se decidir". Foi então que entendi porque sempre me senti como um paradoxo.

domingo, 1 de junho de 2014

Eu existo

Eu existo em pequenos momentos
Quando ando sem pressa
Em uma direção incerta
E vejo nos olhos dos desconhecidos
Uma nova vida a viver

Acordo e adormeço a cada dia
Mas apenas vivo quando vejo
Em um relance
Uma vida que já vivi um dia
Na indignação de uma criança

Eu vivo no exato momento
Em que me assento
E penso que,
Ao me olhar de longe,
Vejo alguém que quis ser um dia

Não há vida, não há ar que respiro
Até que eu possa olhar fixamente
Algo distante
E ser uma figurante em tudo que vejo
Na periferia

27/05/2014

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Moça com brinco de pérola



Nossa vida pode ser perfeitamente feliz, mas, mesmo assim, há poucas chances de ela ser sempre preenchida por eventos emocionantes. Não é sempre que sentiremos aquele tipo de emoção que nos faz esperar ansiosamente por cada segundo que está por vir. Não é todo dia que sentiremos algo forte que nunca sentimos antes, ou que experienciaremos algo que nos faz enxergar todo o nosso passado com uma diferente perspectiva. Muitos de nossos dias serão, inevitavelmente, cheios de nada. Por vezes, esse "nada" pode trazer a impressão de que a vida não está boa o bastante, mas é apenas uma consequência das leis da probabilidade. No entanto, apenas o fato de nosso dia ou semana não estar trazendo nada de especial não significa que nossos dias não possam ser sempre maravilhosos. E para isso precisamos de ajuda, precisamos recorrer a algo para que nos encantemos com a nossa própria existência diariamente. Esse algo é a arte.

Posso dizer seguramente que a semana que passei acompanhada por Moça com brinco de pérola foi uma das mais emocionantes do meu ano. A delicadeza das emoções nele descritas definitivamente me faz olhar para tudo que me cerca atualmente com uma nova perspectiva. A lista de prazeres contidos nessa obra literária é de fato longa: a genialidade e a criatividade por trás de se criar tal história com base em uma pintura; a minúcia com que a obra é descrita, o cuidado com que cada detalhe do trabalho de Vermeer é justificado; o quebra-cabeça que é juntar todos os sinais escondidos na história para adivinharmos o que vem a seguir; a caça ao tesouro pelas lindas metáforas; o romance que podemos viver através dele, mas que jamais vivenciaremos na realidade; e, por fim, frases como: "Depois que ela se foi, seu rosto permaneceu como perfume", ou ainda "Quando ele sorria seu rosto era como uma janela aberta".

Como é bom ter dias maravilhosos assim!

domingo, 23 de março de 2014

Le Moulin - Amélie Poulain


Não são palavras, mas a música não deixa de ser uma linguagem. Uma das minhas músicas favoritas de um dos meus filmes favoritos. Tocar essa música me torna um pouco mais Amélie e, por consequência, um pouco mais livre.

sábado, 15 de março de 2014

No banheiro feminino

No banheiro feminino do shopping, mãe e filha escutam uma senhora elegante chorar nos ombros de uma amiga. Curiosas, tentam ouvir parte da conversa, mas tudo o que conseguem entender é: “Você tem de contar ao seu marido, só assim essa angústia vai embora”.

Mãe: O que você acha que aconteceu? Será que ela perdeu alguém na família?
Filha: Bem, se fosse isso, porque o marido ainda não saberia? Pelo que a amiga disse, eu pensei que ela talvez estivesse traindo o marido, e agora ela está arrependida e não sabe o que fazer.
Mãe: É mesmo? Mas se ela estivesse traindo o marido ela não deveria estar feliz?
Filha: Não se ela estiver realmente arrependida.
Mãe: Eu acho que ela deve ter descoberto que o marido a está traindo, aí sim ela teria uma razão para chorar.
Filha: Não, não acho que seja isso. Se o marido a estivesse traindo ela estaria com raiva, e não chorando.
Mãe: Eu ainda acho que ela perdeu alguém na família.
Filha: Não, se fosse isso tenho certeza de que o marido saberia.

O pai esperava no corredor.

Pai: O que foi?
Mãe: Tinha uma mulher chorando no banheiro e a amiga dela disse que só contando para o marido o que aconteceu ela se livraria da angústia. A (...) acha que ela estava traindo o marido, mas eu acho que ou ela descobriu que o marido a traiu, ou ela perdeu alguém na família.
Filha: Eu já disse, se alguém tivesse morrido o marido saberia. Ela estava arrependida, era choro de pessoa arrependida.

No carro, voltando para casa:

Filha: Se bem que talvez ela tenha descoberto que tem uma doença grave, mas ainda não contou para o marido.
Mãe: É, pode ser.
Pai: Ou vai ver ela gastou muito e estourou o limite do cartão de crédito do marido. Daí de fato ela tem uma razão para ainda não ter contado para ele.
Filha: Fala sério pai, que mulher ia ficar angustiada porque gastou demais? Era algo mais sério.
Pai: Eu acho que estourar o limite do cartão é bastante sério.
Mãe: Não mais do que uma morte na família.
Filha: Não mais do que descobrir que se tem uma doença fatal.
Mãe: Qual doença você acha que era?
Filha: Não sei. Talvez não seja nada muito sério, ela só está com medo do que pode acontecer. E ela não quer preocupar o marido atoa. Na verdade, acho que eles nunca se traíram, acho que devem ser um bom casal.
Pai: Mas vão ter uma briga feia quando a conta do cartão de crédito chegar.
Mãe: A gente devia ter perguntado o que era.
Filha: É, agora nós nunca vamos saber.