sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Tendo chegado à idade de vinte e três

Não há melhor razão para chegar a essa idade do que poder entender de fato os sentimentos de John Milton ao escrever "On His Having Arrived at the Age of Twenty-Three". Posto então aqui o original e a tradução livre que fiz do meu entendimento desse poema. O trabalho que tive nessa missão dedico a essa alma superior, John Milton, que ao se fazer eterno através das palavras me inspirou a seguir o mesmo caminho. Que os botões se abram, que o destino me leve a traçar caminhos semelhantes ao desse segundo mestre.

On His Having Arrived at the Age of Twenty-Three
John Milton (1632)

How soon hath Time, the subtle thief of youth,
Stolen on his wing my three-and-twentieth year!
My hasting days fly on with full career,
But my late spring no bud or blossow shew'th.
Perhaps my semblance might deceive the truth
That I to manhood am arrived so near;
And inward ripeness doth much less appear,
That some more timely-happy spirits endu'th.
Yet, be it less or more, or soon or slow,
It shall be still in strictest measure even
To that same lot, however mean or high,
Toward which Time leads me, and the will of Heaven.
All is, if I have grace to use it so,
As ever in my great Task-Master's eye.

Tendo chegado à idade de vinte e três

Tão logo veio o tempo, sutil ladrão da juventude,
Roubar em suas asas meu vigésimo terceiro ano!
Meus dias apressados voam em velocidade máxima,
Mas minha primavera tardia ainda não revelou seus botões.
Talvez meu semblante possa esconder a verdade
Que eu me tornei mulher assim tão rápido;
E a maturidade da alma aparece bem menos aqui,
Do que nos espíritos mais velhos que a tem à mostra.
Ainda assim, seja menos ou mais, ou breve ou demorado,
Serei da mesma forma diretamente guiada
Àquele mesmo lugar, sendo simples ou superior,
Ao qual o tempo me leva, e a vontade do paraíso.
Tudo está, se eu tiver a graça do merecimento,
Como sempre nos olhos de meu grande mestre. 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O piloto automático e o pôr-do-sol

Ela abriu a porta, conferiu se o celular estava na bolsa, e saiu. Desceu as escadas pensando nas ligações que tinha de fazer assim que tivesse tempo. Entrou no carro, saiu da garagem, sem ao menos perceber quais marchas estava passando. Estava no piloto automático, como gostava de dizer. Enquanto dirigia, pegou o celular e ligou o GPS. Quando parou no sinal, checou se havia alguma nova mensagem. Nada. Olhou para o relógio, estava atrasada. Continuou o caminho e o celular tocou. A foto do irmão apareceu. “Merda”, exclamou. Esqueceu que tinha de buscar o irmão na escola. Entrou no desvio mais próximo e seguiu em direção ao irmão, que já estava esperando há cerca de 15 minutos. Ao chegar, estacionou o carro em uma rua próxima e ligou pedindo para que ele caminhasse até lá, de forma que ela não teria de pegar a fila de carros em frente à entrada. Ele colocou a mochila no banco de trás enquanto ela conferia se havia uma nova mensagem. Dessa vez a amiga dizia já estar esperando no shopping. Ela digitou explicando que já estava a caminho. Disse "oi" ao irmão, mas ele respondeu de forma automática, pois já estava jogando um joguinho no celular. Deixou-o em casa e seguiu para o shopping. Checou o celular a cada vez que parava em um sinal. Recebeu algumas mensagens no Facebook e no What’s App e respondeu as que julgou serem mais importantes.  Parou o carro no estacionamento, mas ainda ficou algum tempo do lado de dentro terminando de responder a uma mensagem. Encontrou a amiga, que já a esperava a mais de 40 minutos.


Maria não tinha celular. Abriu a porta e saiu de casa pensando em como teria sido o primeiro dia de aula do irmão na escola. Entrou no carro, ligou o som no seu CD favorito e foi cantando junto. Tomou o cuidado de dar passagem aos carros que pediam. Viu sua amiga Nikole passando de bicicleta e buzinou para ela. Estacionou o carro em uma rua próxima à escola do irmão. Desceu e foi até a porta esperá-lo. Encontrou sua amiga Marini, que também aguardava o irmão. Conversaram, se atualizaram, e conheceram algumas das mães dos meninos da mesma classe dos irmãos. O irmão chegou, ela o deu um abraço e perguntou como foi a aula. Despediram-se dos amigos e foram conversando até o carro. Ela abaixou o volume do carro e ele contou tudo sobre os novos amigos e professores no caminho para a casa. Eles chegaram, se despediram, ele subiu e ela seguiu em direção ao shopping, onde encontraria a amiga Letícia. No caminho continuou ouvindo seu CD favorito. A cada vez que parava no sinal olhava pela janela e observava o movimento da cidade. Hoje o pôr-do-sol estava especialmente bonito. Estacionou no shopping e só teve de esperar a amiga por dois minutos. Conversaram a noite toda e não foram interrompidas em nenhum momento por nenhum toque de celular. 

O visitante noturno

Ele veio de novo para o jantar. Ela educadamente o recebeu à porta e voltou ao seu quarto, deixando-os sozinhos. Ela detestava o que eles se tornavam quando estavam juntos. Tentou continuar lendo o seu livro, mas as vozes a incomodavam. Ela então juntou as suas coisas, despediu-se dos dois sentados no sofá, e disse que jantaria na casa de uma amiga. Eles insistiram para que ficasse, mas esse teatro não mais a convencia. Sorriu educadamente, disse que a amiga precisava dela, e partiu.

A amiga era obviamente apenas um pretexto. Ela se dirigiu à biblioteca mais próxima e se perdeu entre os livros. Agora ela estava salva de seus pensamentos confusos. Com a ajuda de Austen, suas próprias ideias sombrias deram lugar ao fictício desespero de Marianne. Quando chegou em casa, 106 páginas mais tarde, sua irmã dormia e ele já havia partido. Pôde, assim, dormir em paz.

A irmã não parecia bem ao comer seu cereal pela manhã. Ela conversou normalmente, sorriu, perguntou como tinha sido sua noite. Mas algo na forma como ela segurava a colher, ou como ela a trazia à boca, revelava certa indisposição ou tristeza contida. A irmã mais nova fingiu que nada tinha percebido, mas, secretamente, ela gostava menos e menos daquele visitante noturno.

Na noite seguinte, ela decidiu desistir de sua leitura e deitou-se para dormir. Entre uma risada e outra ela ainda distinguia suas vozes, mas não saberia dizer o que estavam dizendo. Melhor assim. Começou a pensar no seu querido cunhado e desejou que ele estivesse ali com elas. Talvez um mês a mais fosse o suficiente para destruir tudo. Os últimos cinco meses foram uma grande oportunidade de aprendizado para ela, mas desejava que já pudesse voltar para casa e garantir que nada sofresse mudanças além de seus próprios conhecimentos. Ela ouviu a porta da irmã se trancando. Em meio a esses devaneios, ela havia se esquecido das vozes na sala. Não as ouvia mais. Será que ele tinha saído? Certamente, e agora a irmã devia estar se trocando para dormir. Um barulho no quarto. Uma voz. Outro barulho. Um riso abafado. Será possível que ele estivesse no quarto com ela? Não, não era possível.

Mais um barulho. Porque tão alto? Ela tentou dormir. Estava naquele estado em que meio sonhava e meio dormia, quando pensou ouvir outro barulho, um barulho bem característico que ela só podia assumir ser uma coisa. E aquilo continuava, e ela desejava que estivesse sonhando. Mas embora estivesse confusa em seu estado sonolento, ela sabia que não era mentira. Tudo que ela desejava era que ela estivesse enganada e que seu cunhado continuasse sendo o único homem na vida de sua irmã. 

sábado, 8 de fevereiro de 2014

A escada



Estou sentada no segundo degrau. Logo abaixo, no início, minha vida está acontecendo. O conforto de um quarto, o desconforto de não ser o meu. Bom e ruim. Vida real. No topo da escada, tudo que posso ver é a beleza, o mistério. Lá em cima está o desconhecido, mas também o sonho. Está me puxando para cima. Através do reflexo no vidro da janela tenho um vislumbre do que me espera. Também através da janela tenho acesso ao mundo do lado de fora, que me serve de inspiração para continuar. O corrimão é tão sedutor como a serpente que me leva ao conhecimento ao qual nunca tive acesso. O conhecimento sobre mim mesma. Se eu subir a escada, eu encontrarei a mim mesma.