segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O piloto automático e o pôr-do-sol

Ela abriu a porta, conferiu se o celular estava na bolsa, e saiu. Desceu as escadas pensando nas ligações que tinha de fazer assim que tivesse tempo. Entrou no carro, saiu da garagem, sem ao menos perceber quais marchas estava passando. Estava no piloto automático, como gostava de dizer. Enquanto dirigia, pegou o celular e ligou o GPS. Quando parou no sinal, checou se havia alguma nova mensagem. Nada. Olhou para o relógio, estava atrasada. Continuou o caminho e o celular tocou. A foto do irmão apareceu. “Merda”, exclamou. Esqueceu que tinha de buscar o irmão na escola. Entrou no desvio mais próximo e seguiu em direção ao irmão, que já estava esperando há cerca de 15 minutos. Ao chegar, estacionou o carro em uma rua próxima e ligou pedindo para que ele caminhasse até lá, de forma que ela não teria de pegar a fila de carros em frente à entrada. Ele colocou a mochila no banco de trás enquanto ela conferia se havia uma nova mensagem. Dessa vez a amiga dizia já estar esperando no shopping. Ela digitou explicando que já estava a caminho. Disse "oi" ao irmão, mas ele respondeu de forma automática, pois já estava jogando um joguinho no celular. Deixou-o em casa e seguiu para o shopping. Checou o celular a cada vez que parava em um sinal. Recebeu algumas mensagens no Facebook e no What’s App e respondeu as que julgou serem mais importantes.  Parou o carro no estacionamento, mas ainda ficou algum tempo do lado de dentro terminando de responder a uma mensagem. Encontrou a amiga, que já a esperava a mais de 40 minutos.


Maria não tinha celular. Abriu a porta e saiu de casa pensando em como teria sido o primeiro dia de aula do irmão na escola. Entrou no carro, ligou o som no seu CD favorito e foi cantando junto. Tomou o cuidado de dar passagem aos carros que pediam. Viu sua amiga Nikole passando de bicicleta e buzinou para ela. Estacionou o carro em uma rua próxima à escola do irmão. Desceu e foi até a porta esperá-lo. Encontrou sua amiga Marini, que também aguardava o irmão. Conversaram, se atualizaram, e conheceram algumas das mães dos meninos da mesma classe dos irmãos. O irmão chegou, ela o deu um abraço e perguntou como foi a aula. Despediram-se dos amigos e foram conversando até o carro. Ela abaixou o volume do carro e ele contou tudo sobre os novos amigos e professores no caminho para a casa. Eles chegaram, se despediram, ele subiu e ela seguiu em direção ao shopping, onde encontraria a amiga Letícia. No caminho continuou ouvindo seu CD favorito. A cada vez que parava no sinal olhava pela janela e observava o movimento da cidade. Hoje o pôr-do-sol estava especialmente bonito. Estacionou no shopping e só teve de esperar a amiga por dois minutos. Conversaram a noite toda e não foram interrompidas em nenhum momento por nenhum toque de celular. 

2 comentários:

  1. Já que ando falando em paradoxos no meu blog, este é mais um deles. Já estamos tão atolados de futilidades que esquecemos das coisas mais simplórias e que realmente tem importância. Assim como caminhamos do simples para esse mundo cheio de modernidades, creio que chegará o dia em que regressaremos e aqueles que insistirem provavelmente estão condenados à solidão e às doenças como depressão, ansiedade e etc. Belo texto, Mari! Reflexivo e causador de mudanças.

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  2. Boa percepção da realidade, mas acredito que seja possível conciliar a tecnologia com a sensibilidade. Mas dá um pouco de trabalho, parece que hj tudo nos tira do foco.

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