segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O visitante noturno

Ele veio de novo para o jantar. Ela educadamente o recebeu à porta e voltou ao seu quarto, deixando-os sozinhos. Ela detestava o que eles se tornavam quando estavam juntos. Tentou continuar lendo o seu livro, mas as vozes a incomodavam. Ela então juntou as suas coisas, despediu-se dos dois sentados no sofá, e disse que jantaria na casa de uma amiga. Eles insistiram para que ficasse, mas esse teatro não mais a convencia. Sorriu educadamente, disse que a amiga precisava dela, e partiu.

A amiga era obviamente apenas um pretexto. Ela se dirigiu à biblioteca mais próxima e se perdeu entre os livros. Agora ela estava salva de seus pensamentos confusos. Com a ajuda de Austen, suas próprias ideias sombrias deram lugar ao fictício desespero de Marianne. Quando chegou em casa, 106 páginas mais tarde, sua irmã dormia e ele já havia partido. Pôde, assim, dormir em paz.

A irmã não parecia bem ao comer seu cereal pela manhã. Ela conversou normalmente, sorriu, perguntou como tinha sido sua noite. Mas algo na forma como ela segurava a colher, ou como ela a trazia à boca, revelava certa indisposição ou tristeza contida. A irmã mais nova fingiu que nada tinha percebido, mas, secretamente, ela gostava menos e menos daquele visitante noturno.

Na noite seguinte, ela decidiu desistir de sua leitura e deitou-se para dormir. Entre uma risada e outra ela ainda distinguia suas vozes, mas não saberia dizer o que estavam dizendo. Melhor assim. Começou a pensar no seu querido cunhado e desejou que ele estivesse ali com elas. Talvez um mês a mais fosse o suficiente para destruir tudo. Os últimos cinco meses foram uma grande oportunidade de aprendizado para ela, mas desejava que já pudesse voltar para casa e garantir que nada sofresse mudanças além de seus próprios conhecimentos. Ela ouviu a porta da irmã se trancando. Em meio a esses devaneios, ela havia se esquecido das vozes na sala. Não as ouvia mais. Será que ele tinha saído? Certamente, e agora a irmã devia estar se trocando para dormir. Um barulho no quarto. Uma voz. Outro barulho. Um riso abafado. Será possível que ele estivesse no quarto com ela? Não, não era possível.

Mais um barulho. Porque tão alto? Ela tentou dormir. Estava naquele estado em que meio sonhava e meio dormia, quando pensou ouvir outro barulho, um barulho bem característico que ela só podia assumir ser uma coisa. E aquilo continuava, e ela desejava que estivesse sonhando. Mas embora estivesse confusa em seu estado sonolento, ela sabia que não era mentira. Tudo que ela desejava era que ela estivesse enganada e que seu cunhado continuasse sendo o único homem na vida de sua irmã. 

Um comentário:

  1. Nossa; gostei muito do final deste texto! Me surpreendeu!!! Sem falar que a narrativa nos prende até o fim!

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